Eu resisti, mas resolvi escrever sobre minha experiência no Brasil Ride Bahia 2021, como uma mountain biker. É engraçado descrever como vem sendo minha vida “pós ”-pandemia. Digamos que ela findou e recomeçou. Eu tenho certeza que não sou mais a mesma pessoa. E explicar isso seria outra história, mas resumidamente eu reconstruí o ligamento colateral anterior do joelho esquerdo (LCA), pela segunda vez, em janeiro de 2020, no mesmo ano perdi minha mãe, e logo em seguida perdi meu pai. O joelho me fez migrar da corrida para o ciclismo e esse processo de perdas me fez talvez também me reestruturar uma nova pessoa.
Então o MTB se iniciou quando? Digamos que eu já vinha praticando ciclismo de estrada para preservar a folga que eu tinha no meu joelho, a MTB se iniciou pouco mais de um ano antes da prova, e o objetivo nunca foi o Brasil Ride, pois ele surgiu do acaso. Alguns diriam: ninguém com apenas um ano de MTB realizaria um endurance como o Brasil Ride, talvez eu concorde, mas de endurance eu possuo um outro currículo, o necessário nesse meio tempo era adquirir técnica para poder enfrentar a prova. Sim, um ano de pura técnica. Já realizei outras provas de ultramaratona de corrida como a CCC do UTMB com 101km, alguns La Mision na Argentina com 110km, Patagônia Run com 110km, Transgrancanaria com 84km, entre varias provas, até outra de etapas dormindo em barracas como a half Marathon des Sables (prova de suficiência).
Mas o que ocorreu, na realidade é que eu vinha me preparando para uma corrida de aventura, então a mountain bike e o trail se uniram, infelizmente a CA não saiu como o esperado, e num momento de tristeza eu recebo a ligação da Ada Pires. Ela me telefona se apresentando e me convidando para ser dupla dela no Brasil Ride. Não, nós não nos conhecíamos, era setembro, apenas dois meses antes da prova, ela tinha recebido meu contato por uma amiga em comum que citou meu interesse em fazer a prova, detalhe que eu nunca teria imaginado receber um convite assim, eu ainda resisti dizendo que não haveria mais inscrição, e ela responde dizendo que ela teria a vaga. Pedi uns dias, para estudar e planejar, eu teria que entender se seria possível aquela ideia.
Eu resolvi arriscar, e aceitei a proposta, fiquei sabendo de um apoio do banco Santander, depois de alguma luta, eu consegui o apoio do banco na inscrição. Seria muito estranho dizer que as coisas se encaixaram em tanta sincronia, que seria piada dizer que era destino. Às vezes bravejamos tanto para certos acontecimentos, parecia que a Brasil Ride vinha me convidando.
Hora de embarcar e conhecer minha dupla, juro que bateu um nervosismo em talvez nada dar certo, ou pelo relacionamento, ou por mentes fortes, ou mesmo por treinamentos diferenciados. Mas o que ocorreu foi que a Ada me acolheu como uma mãe. Quando ela me disse que tinha 53 anos e uma filha da minha idade, eu sabia que daria certo. (pausa para dizer que eu quero chegar aos 53 assim também).
Um dia antes do prólogo, nos fardamos, fomos buscar nosso kit e largamos para fazer o reconhecimento. Cheguei na escadaria, e aqueles degraus me davam um baita frio na barriga, lá encontramos um casal, o Halysson e a Renata, tive mais confiança vendo ela descer, e me senti muito mais confortável com as instruções do Halysson. Eles nos convidaram para acompanha-los no reconhecimento, e com as orientações do Halysson, todo XCO saiu de maneira bem bacana. Então, não tenho muita novidade para contar, nosso XCO saiu tão bonito, tão encaixado, que na hora da adrenalina tudo foi super bem, impressionante, eu morrendo de medo das escadas, eu desci com uma vontade aos gritos da torcida de Ada! Não tem como mentir, a Bahia tem uma energia diferenciada, e a Ada ainda sendo local, tinha um fã clube acompanhando ela inicio a fim.
Então até parecia verdade tudo aquilo que falavam da prova, `O’ Brasil Ride. Eu porque sou uma pateta, mas estava cheio de “celebridades”, inclusive o Rodrigo Hilbert, parceiro de gate B, todo dia largava do meu lado, perdão meninas. Antes de dizer que eu não reconheço ninguém, eu reconheci todos os fotógrafos E estava recheado dos top, em especial meus favoritos que não cansam de me encontrar por essas provas, Wladmir Togumi, Ney Evangelista e o Gabriel Tarso.
Diferente do 1º dia, o segundo stage para mim foi a etapa mais difícil. Deslocamento para Guaratinga, com 132 km, que com o avançar da etapa se complicava por estar subindo a serra, essa que se apresentou etapa com mais desistências. O calor do dia foi muito forte, o que causou desidratação em muitas pessoas, inclusive na minha dupla, o combinado era terminarmos as etapas, mesmo que durasse o tempo máximo diante de algum problema. A estratégia então foi manter a calma, parando em diversos pontos para nos hidratar, recordo que era próximo ao meio-dia e quem estava já tonteando era eu pelo sol fortíssimo, garmin marcava mais de 45 ºC. Paramos em um reservatório de agua que já tinha se tornado um ponto de encontro, a Magdalena da Alta Performance estava ali e me ensinou até onde tomar uma ducha para colocar a alma de volta ao corpo. Magdalena estava sem sua dupla e se uniu a nós na empreitada, e que empreitada, inclusive com transito de vacas. Superada essa etapa, chegamos a Vila Brasil Ride, o local que nos abrigaria pelos próximos 3 dias, com uma infra completa, projetado com containers preparados com duchas e banheiros, sempre limpos, mais uma estrutura com área comum supridas de tomadas com um salão onde ocorriam as refeições e premiações.
Vou ser honesta que essa é a parte que eu mais gosto nas provas de Stages, a comunidade que se cria. Abre oportunidade para você fazer amizades, conhecer as pessoas, estar perto até dos ídolos. Poder conversar, trocar experiências. Inclusive conseguir um bepantol emprestado após dias de selim e bumbum assado. Eu cheguei nessa prova como uma total desconhecida e saí com muitas amizades, acredito que esse seja um dos maiores ganhos.
Os outros dias de Vila continuaram fantásticos, após nossa luta no 2º Stage, nosso 3º Stage novamente fluiu de maneira maravilhosa, etapa com a subida das sete voltas, veio acompanhada na sequencia de chuva para a descida ficar repleta de lama. Eu e a Ada concordamos que pedalar na chuva foi maravilhoso, nossa corrente e grupo que não gostaram, acredito que nosso mecânico Bustamante também não. Notei que a bike começou a sentir o desgaste e começar a se deteriorar a partir desta etapa. Mas novamente concluímos muito bem, mantendo a 4ª colocação geral e 3ª do American Woman.
Quarto Stage, ou Etapa Rainha, como chamam, foi uma das etapas mais eletrizantes. Quando iniciamos a subida do Cariri, iniciei a subida me sentindo super bem e conseguindo zerar todos os trechos, mas não encontrei mais a Ada. Parei e vi o Gabriel Tarso procurando seu celular perdido pela trilha, logo me disseram que Ada estava um pouco mais abaixo ajustando a roda pois dois raios haviam quebrado. A subida do Cariri parecia não ter fim, no topo parei em uma nascente abasteci as caramanholas e de quebra tomei um banho em uma cachoeira, realmente um visual incrível, paisagem belíssima, a subida vencia dois vales, e na transposição de um vale ao outro se via uma outra cachoeira enorme lindíssima.
Ainda ali estávamos mantendo nossa posição, até que no final da descida do Cariri o pneu de Ada destalona, a válvula escapa e as duas pangarés se olharam num ar de: e agora. Conseguimos gastar tudo o que tínhamos: gup, co2, e nada resolveu, numa luta ate trocar a câmara e encher na bomba mesmo, outras duas duplas femininas nos passaram. Não estávamos muito longe do final da etapa, teríamos que nos esforçar para recuperar, e então se iniciou uma perseguição que até foi bacana de se ver, recuperamos uma dupla nos km finais e ficamos 3 minutos apenas da outra, sempre revezando na perseguição, assustando um bando de homens com as gritarias. Depois de acabar com nosso kit reparos e roda de Ada coitada se desmontando, ainda conseguimos manter nossa classificação geral. Eu recordo que tive duas vezes minhas pastilhas de freio trocadas, então comecei a entender que um dos gastos da conta Brasil Ride, era com a manutenção das pobres bikes que apanhavam demais.
Quinto Stage, retorno de Guaratinga para Arraial, despedida da Vila e voltar para a civilização. Chega um momento que você já quer dormir em uma cama, ter um sinal de celular, beber uma boa cerveja. A volta parecia ser talvez até mais difícil que a ida, mas o corpo já tinha acostumado tanto com a martelada, que acredito que nossa volta foi bem mais tranquila, regulando pace para não quebrar, nos manter, pegamos pequenas pancadas de chuva, encontramos diversas vezes Mario Roma com o Tiago Ferreira brincando com os âncoras da etapa, mas concluímos novamente dentro do esperado. Ate aí, tinham sido as 5 piores etapas, 500km aproximadamente com mais de d+9000m acumulado.
Stage 6, XCO. 4 voltas de 8km. Neste eu senti realmente muito calor, completei duas voltas podendo entrar para 3ª, mas resolvi parar sabendo já da vantagem diante da próxima dupla e da diferença da anterior. No momento da segunda volta minha pressão baixou pelo calor sufocante e até acreditei que eu desmaiaria. Novamente muitas pessoas passando mal e tomando soro. Durou 1h 05 e me bastou.
Para encerrar a 7 etapa, nada mais comum que depois do calor sufocante, chover cântaros. Essa etapa era basicamente toda em trilhas da mata e embaixo de chuva, foi para fechar com chave de ouro. Para definitivamente terminar de destruir os componentes da bike rsrs, se divertir na lama e comprar alguns terrenos nas raízes e folhas molhadas.
Qual a sensação do final? Não sei explicar, mas Ada nem sabia que eu chorava nos últimos quilômetros, chorava não de dor, não de prazer. Chorava, pois pensei em meus pais, e como eles estariam felizes e orgulhosos, mas de repente bateu um vazio. Parecia que tudo tinha mudado para mim, nada mais seria o mesmo. Algum amadurecimento, alguma introspecção que eu vivi durante 7 dias. A gente deseja um abraço caloroso naquela hora, abraço que Ada uma quase mãe me deu. Só agradecer essa oportunidade, de estar junto de tanta gente se movendo pelo mesmo amor. Tem troféu melhor?